quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Outra Janela...

sob um véu...


Autores

Os Convencidos da Vida.

Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear. Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força. Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista. Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador. Além de espectadores, o convencido precisa de irmãos-em-convencimento. Isolado, através de quem poderia continuar a convencer-se, a propagar-se?

Alexandre O'Neill
in «Uma Coisa em Forma de Assim»

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Da janela sul...


O louco, o amoroso e o poeta estão recheados de imaginação...

William Shakespeare
"Sonho de uma Noite de Verão"

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Outra Janela...

telhados de Outubro...


Autores

Torre de Névoa

Subi ao alto, à minha Torre esguia,
Feita de fumo, névoas e luar,
E pus-me, comovida, a conversar
Com os poetas mortos, todo o dia.

Contei-lhes os meus sonhos, a alegria
Dos versos que são meus, do meu sonhar,
E todos os poetas, a chorar,
Responderam-me então: “Que fantasia,

Criança doida e crente! Nós também
Tivemos ilusões, como ninguém,
E tudo nos fugiu, tudo morreu! ...”

Calaram-se os poetas, tristemente ...
E é desde então que eu choro amargamente
Na minha Torre esguia junto ao céu! ...

Florbela Espanca
«Livro de Mágoas»

domingo, 12 de outubro de 2008

Da janela norte...

ameaça

voz do povo

Ao perigo com tento e ao remédio com tempo...

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Outra Janela...

bom fim-de-semana...


Autores

MELHOR VINHO…

Por mais raro que seja, ou mais antigo,
Só um vinho é deveras excelente
Aquele que tu bebes, docemente,
Com teu mais velho e silencioso amigo.

Mário Quintana

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Da janela norte...

promessa ao sol

Autores

Quanto Mais Amada Mais Desisto

De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.

E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.

Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.

Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.

Natália Correia

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Outra Janela...

sombra à terra


Ao amanhecer ...

A Origem do Mundo

De manhã, apanho as ervas do quintal. A terra,
ainda fresca, sai com as raízes; e mistura-se com
a névoa da madrugada. O mundo, então,
fica ao contrário: o céu, que não vejo, está
por baixo da terra; e as raízes sobem
numa direcção invisível. De dentro
de casa, porém, um cheiro a café chama
por mim: como se alguém me dissesse
que é preciso acordar, uma segunda vez,
para que as raízes cresçam por dentro da
terra e a névoa, dissipando-se, deixe ver o azul.

Nuno Júdice

in: «Meditação sobre Ruínas»

domingo, 5 de outubro de 2008

Da janela sul...

arco ao céu


Autores

Olhar o céu é, nos nossos climas, uma ocasião de viver: instintivamente, voltamos para ele os nossos olhos. O poeta meridional, cheio de imagens e de cores, contempla-o; o burguês trivial, admira-o; pela manhã, abre-se a janela e vai-se ver o céu! É um íntimo sempre presente na nossa vida; o nosso estado depende dele: enevoado, entristece-nos; claro e lúcido, alegra-nos; cheio de nuvens eléctricas, enerva-nos. É no Céu que vemos Deus... E mesmo despovoado de deuses, é ainda para o homem o lugar donde ele tira força, consolação e esperança. A paisagem é feita por ele, a arte imita-o, os poetas cantam-no.

Eça de Queirós
in «O Egipto»

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Da janela norte...

era uma vez um caminho...


Autores

Com Fúria e Raiva

Com fúria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo das palavras

Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
Que de longe muito longe um povo a trouxe
E nela pôs sua alma confiada

De longe muito longe desde o início
O homem soube de si pela palavra
E nomeou a pedra a flor a água
E tudo emergiu porque ele disse

Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se fez com o trigo e com a terra

Sophia de Mello Breyner Andresen

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Outra Janela...

era uma vez um nenúfar...


Autores

Palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução, alguns dizem que assim é que a natureza compôs as suas espécies.

Machado de Assis
«Histórias sem Data»

domingo, 28 de setembro de 2008

Da janela norte...

era uma vez um bosque...

Ao entardecer...

Dá-me a Tua Mão

Dá-me a tua mão: Vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta. De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia. Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir-nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.

Clarice Lispector

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Bom fim-de-semana...

naturalmente...


Autores

Não choro...

A dor não me pertence.

Vive fora de mim, na natureza,
livre como a electricidade.

Carrega os ceus de sombra,
entra nas plantas,
desfaz as flores...

Corre nas veias do ar,
atrai os abismos,
curva os pinheiros...

E em certos momentos de penumbra
iguala-me à paisagem,
Surge nos meus olhos
presa a um passaro a morrer
no céu indiferente.

Mas não choro. Não vale a pena!
A dor não é humana.

José Gomes Ferreira

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

a 4ª...

a casa

voz do povo


Quem deixa a casa em desordem herdará vento...

terça-feira, 23 de setembro de 2008

3ª de 4...

a janela


Autores

A saudade não está na distância das coisas, mas numa súbita fractura de nós, num quebrar de alma em que todas as coisas se afundam.

Vergílio Ferreira
«Conta-Corrente 3»

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

2ª de 4...

a porta

voz do povo


Nem sempre o diabo está atrás da porta.

domingo, 21 de setembro de 2008

1ª de 4...

a parede

Autores

Na ruína do nosso tempo, vê se escolhes o mais importante dela. Evitarás assim o ridículo de chorar a perda de um alfinete numa casa que te ardeu.

Vergílio Ferreira
«Escrever»

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Da janela sul...

era uma ponte

Autores

Nada me pertenceu - nem o vestido indecente
que pedi emprestado para te oferecer os seios, nem
os seios, que eram já teus muito antes do vestido.

O sorriso que devassou brevemente o meu rosto não
me pertenceu; porque ninguém o viu antes de ti,
nem o espelho se convenceu a devolver-mo.

Todas as coisas que a casa guardou quando partiste não
me pertenceram; porque, ao tocar-lhe nos dias mais
cinzentos, sinto que é pelo calor dos teus dedos que ainda
gritam; e mesmo a cama onde só teu corpo era bem-vindo
nunca chegou a ser inteiramente minha, pois, de contrário,
encontraria nela o meu lugar, e não o teu vazio.

Tu não me pertenceste - e, se uma vez acreditei que
acontecias dentro do meu corpo,das outras vi-te abraçar a
solidão com tanto ardor que concluí ser a memória quem
te mantinha vivo. O meu coração, contudo, sempre

te pertenceu - e a mão desesperada que o procura não
sente bater longe do teu peito. E mesmo os poemas todos
que escrevi não me pertenceram, porque essa vida
que pulsava no papel levaste-a tu contigo na hora
em que te foste - e a que tenho agora é mais
branca e vazia do que a morte, não é vida nem nada

que eu queira alguma vez que me pertença.

Maria do Rosário Pedreira
O Canto do Vento nos Ciprestes

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Outra Janela...

(a) vista


Autores

Para ver claramente, basta mudar a direcção do olhar.

Antoine Saint-Exupéry

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Da janela norte...

cerrada

Autores

Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora, mas o amado já...

Pablo Neruda

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Outra Janela...

distante

Autores

Não Discuto

não discuto
com o destino

o que pintar
eu assino

Paulo Leminsk

domingo, 14 de setembro de 2008

Da janela sul...

serena

Autores

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.


Alexandre O'Neill

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Outra Janela... III

roupa com janelas, e candeeiro...

voz do povo


Sabedoria é viver conforme o dia.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Outra Janela... II

roupa com janelas, e flores...

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

a ler este mês...1


Acontece que, como sabem, sou muito vulnerável à beleza feminina. Todos nos sentimos indefesos contra alguma coisa, e a minha vulnerabilidade é essa. Vê-la cega-me para tudo o mais.

Philip Roth
«O Animal Moribundo»

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Outra Janela... I

roupa com janelas...

voz do povo

É preciso receber o bem conforme ele vem.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

ups!...


La Rentrée bloguista mesmo a sério, está difícil...

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Outra Janela...

um olhar para ti...

Autores

Escuto

Escuto mas não sei
Se o que oiço é silêncio
Ou deus

Escuto sem saber se estou ouvindo
O ressoar das planícies do vazio
Ou a consciência atenta
Que nos confins do universo
Me decifra e fita

Apenas sei que caminho como quem
É olhado amado e conhecido
E por isso em cada gesto ponho
Solenidade e risco

Sophia de Mello Breyner Andresen