Amei-te como na vida se ama uma só vez;
e todos os afetos que dividi depois eram
apenas cinzas que evocavam o brilho dessa
imensa chama. Troquei suspiros e beijos
com muitas outras bocas quando, na minha,
o travo da solidão era uma amarga desculpa
para repartir o pouco que não tinha; mas
em nenhuma quis morder fruto mais
suculento que o silêncio nem permiti que
pousasse sequer o meu nome verdadeiro -
que só nos teus lábios era graça e canção
e eco de loucura. Foi o meu corpo tão vão displicente
naqueles que o cingiram que me faria velha
a tentar recordar-lhes os gestos hesitantes,
as convulsões da pressa e os veios de sal que
descreviam no litoral da pele o aviso de uma
paisagem interior abandonada. Mas de nada
me serviu amar-te assim - pois, ao dizer-te o
que não pude ser longe de ti, digo-te o que sou
e isso há de guardar-te para sempre de voltares.
Maria do Rosário Pedreira
3 comentários:
o amor é difícil de descrever, pelo menos de uma forma tão bela...
beijinhos Maria Maio
belo poema...
beijo
SÓ MAIS UM PASSO
Uma mãe sai às ruas
A enfrentar tiranias
A exigir respeito e liberdade,
Mesmo que tardia.
Cacetetes cobrem-lhe o corpo
Socos e pontapés em seu rosto;
Armas lhe são apontadas
Cuspindo fome e desorganização.
Em seu colo, uma criança,
Assustada, sem futuro,
Sem educação, vazia de esperança;
Vítima de líderes sem pátria.
Destemida a mãe avança contra as tropas
Abrindo brechas, ouvindo ameaças
Enfrentando tanques, abrindo trincheiras.
... Só mais um passo.
(Agamenon Troyan)
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