sexta-feira, 19 de setembro de 2008

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Nada me pertenceu - nem o vestido indecente
que pedi emprestado para te oferecer os seios, nem
os seios, que eram já teus muito antes do vestido.

O sorriso que devassou brevemente o meu rosto não
me pertenceu; porque ninguém o viu antes de ti,
nem o espelho se convenceu a devolver-mo.

Todas as coisas que a casa guardou quando partiste não
me pertenceram; porque, ao tocar-lhe nos dias mais
cinzentos, sinto que é pelo calor dos teus dedos que ainda
gritam; e mesmo a cama onde só teu corpo era bem-vindo
nunca chegou a ser inteiramente minha, pois, de contrário,
encontraria nela o meu lugar, e não o teu vazio.

Tu não me pertenceste - e, se uma vez acreditei que
acontecias dentro do meu corpo,das outras vi-te abraçar a
solidão com tanto ardor que concluí ser a memória quem
te mantinha vivo. O meu coração, contudo, sempre

te pertenceu - e a mão desesperada que o procura não
sente bater longe do teu peito. E mesmo os poemas todos
que escrevi não me pertenceram, porque essa vida
que pulsava no papel levaste-a tu contigo na hora
em que te foste - e a que tenho agora é mais
branca e vazia do que a morte, não é vida nem nada

que eu queira alguma vez que me pertença.

Maria do Rosário Pedreira
O Canto do Vento nos Ciprestes

10 comentários:

Maria disse...

Vesti este poema e deixo um beijinho...

Luis Eme disse...

é fabuloso este poema da Maria do Rosário...

beijos M. Maria Maio

pin gente disse...

Repito a maria... só posso!

beijo

Unknown disse...

Gostava de dizer alguma coisa sobre o poema. Mas não digo nada. Fico a vê-lo, a olhá-lo, em doce e respeitoso silêncio.
EA

Fernando Pinto disse...

Gosto muito dos teus cenários...

Beijinhos do meu "Labirinto de Olhares"

Anónimo disse...

Lindo!

Maria P. disse...

Maria,
é tocante este poema...
Beijinho*

Luís,
e escolhido porque sim...
Beijos*

Pin-gente,
entendo-te...
Beijinhos*

Eduardo,
este poema é mesmo para sentir, apenas...
Beijinhos*

Fernando,
obrigada,
beijinhos*

Ferreira,
concordo.
Beijinhos*

Ka disse...

Lindíssimo este poema!

Vou leva-lo comigo, posso?

Beijocas

Maria P. disse...

Ka,
claro que sim:)
Beijinho*

Marcos Santos disse...

A perda quando inspira, vira arte.

Realmente muito lindo!