Dizem, meu amor, que neste inverno os ventos
passarão a mão pela seara e levarão o trigo;
que os dias serão escuros e frios - e tão curtos
que neles não caberá paixão alguma, por pequena
que seja. Contam que punhais de chuva se abaterão
sobre os pomares; e que as árvores crescerão
como feixes de serpentes, procurando ganhar
desesperadamente o céu. E acrescentam que
os pássaros adivinham tudo isto e que por isso
se calam de manhã - ouço-os bater as asas
num aceno triste; partem para o sul, dizem,
se dizem a verdade.
Só a casa ficará de pé a olhar a planície. E
dentro dela os sonhos e as recordações do verão -
retratos dos lugares que nunca visitámos, uma camisa
de linho no espaldar da cadeira, um livro para sempre
interrompido sobre a cama. Ouvíamos uma canção triste
na grafonola velha. Dançaríamos o ano inteiro, disseram
uma noite ao ver-nos atravessar a sombra da lua.
Ignoravam, então, o inverno.
Maria do Rosário Pedreira
A Casa e o Cheiro dos Livros
5 comentários:
De arrasar. Poeta maior do nosso tempo.
Texto lindíssimo.
Para ler e reler...
O inverno é amigo... necessário...
sobre a escrita... excelente...
"Só a casa ficará de pé..."... as casas resistem... até quando,
são de granito... o telhado de colmo voará... mas o ferrolho permanecerá... até que um dia nasce a primavera e veremos os pastores, os agricultores, e as pastorinhas... um dia, a escola caiada reabrirá... e fechou... não pelo inverno, ou melhor... fechou pelo inverno da vida...
Mas... como nunca se sabe como será o inverno,deixo um 1/4 de beijo, posso precisar deles no inverno para me aquecer :)
O Inverno da vida... Cortante!
E quando a terra ganhar desesperadamente o céu, ele se derramará em flores, na Primavera...
Afectuosamente
Enviar um comentário