sábado, 26 de agosto de 2006

Ao amanhecer ...

FADO

Dizem os ventos que as marés não dormem esta noite.
Estou assustada à espera que regresses: as ondas já
engoliram a praia mais pequena e entornaram algas
nos vasos da varanda. E, na cidade, conta-se que
as praças acoitaram à tarde dezenas de gaivotas
que perseguiram os pombos e os morderam.

A lareira crepita lentamente. O pão ainda está morno
à tua mesa. Mas a água já ferveu três vezes
para o caldo. E em casa a luz fraqueja, não tarda
que se apague. E tu não tardes, que eu fiz um bolo
de ervas com canela; e há compota de ameixas
e suspiros e um cobertor de lã na cama e eu

estou assustada. A lua está apenas por metade,
a terra treme. E eu tremo, com medo que não voltes.


Maria do Rosário Pedreira
A Casa e o Cheiro dos Livros

8 comentários:

Luís disse...

A obra fenomenal dessa escritora entrou na minha vida há menos de um mês, numa tarde de confidências em casa de uma grande amiga. Estávamos sentados de volta de uns livros que havíamos seleccionado e líamos excertos um ao outro. Ela começa a ler um excerto de um poema dela. Parou tudo. Apaixonei-me.

Obrigado pelo post. Ao lê-lo, pode ser que mais pessoas se apaixonem pela sua poesia... É a vertente pedagógica da blogosfera em acção =)

Esplanando disse...

Muitos medos tens tu... estará na altura de os perder?

Licínia Quitério disse...

Não será paixão, mas uma admiração profunda o que sinto pela obra desta poetisa. Depois de a ler, fico por momentos em suspensão. O que é um bom sinal.

Manuel Veiga disse...

fado de Penélope, diria! belo poema...

Anónimo disse...

Amigos, é hora de confessar a minha ignorância... não conhecia mem sequer o nome, mas, acreditem... apaixonei-me pelo poema... vou tratar de remediar a situação e descobrir quem escreve desta forma...

Maria P. disse...

Eu descobri esta autora à 3 anos, foi amor à 1 vista.

Bom Domingo a todos.

Maria P. disse...

Boa noite Ponto no J, bem-vinda à Casa de Maio...

APC disse...

Belíssimo! Aliás, tudo o que vi, do início (i.e., do fim) até aqui.
Sem me querer publicitar (xi, korror!), lembrei-me de um poema que fiz, a que chamei "No Cais" por falta de melhor (está em "Poesia", se acaso um dia'...)
Cheguei aqui à conta de um apelo da Carmencita - que não era para mim, claro, mas para o estimado Besnico (texto muito bom!) - e acabei por perceber que temos 5 contactos bloguísticos (raio de mutantes cyber-linguísticos estes!) linkados (!) em comum.
E deixo, satisfeita, um abraço de "até já"! :-)