sexta-feira, 29 de setembro de 2006

Ao anoitecer...

Não deixes que metam o nariz na tua Vida!

Quando falas ou simulas falar de ti próprio e amalgamas passado, presente, futuro, há sempre os que perguntam se o que contaste é verdade ou não. Nunca indagam se vai ser verdade. O que lhes interessa é saber, com a curiosidade dos intriguistas, se o que se passou (ou parece ter-se passado) se passou mesmo contigo. É um erro de gente vulgar. Parasitários ou não, qualquer invenção ou patranha, qualquer «mentir verdadeiro» é acepipe biográfico, é pretexto para te enfileirarem na nulidade biográfica que é a deles próprios e tecerem incansavelmente histórias a teu respeito. Não te deixes seduzir pelo gosto da conversa. Essa pequena gente não merece a mais pequena atenção, nem tu precisas de espectadores para o salutar exercício diário de falar por falar.

(...) Não deixes que metam o nariz na tua vida. Caso contrário, vais ficar cheio de gente, com a sua vida escassamente interessante. O tombo da vida vulgar já foi feito por escritores como Camilo. E tenho a impressão de que, no essencial, a vida vulgar continua a mesma. Desunha-te a escrever (olha que já tens pouco tempo!), mas fá-lo com a discrição e a reserva de quem não se dá às primeiras.
É outro exercício salutar.

Alexandre O'Neill, in «Uma Coisa em Forma de Assim»

4 comentários:

Manuel Veiga disse...

admiradora do O´Neill?!uhumm, excelente. sigamos então o cherne...

Anónimo disse...

que engraçado...há uns meses...

http://serpentine99.blogspot.com/2006_02_01_archive.html

bjs
isa

APC disse...

"Desunha-te a escrever (olha que já tens pouco tempo!), mas fá-lo com a discrição e a reserva de quem não se dá às primeiras" - Magnífico!

Anónimo disse...

Entendi. Provavelmente tens razão.